BAGDÁ
Só Hugo Chávez visita o ditador
Reuters
Chávez e Hussein: passeio em Bagdá
Com seu mandato referendado pelas urnas, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, lançou-se numa ousada operação internacional: quer ressuscitar a Opep, o cartel dos produtores de petróleo, e impor preços mais salgados aos compradores. Na semana passada, se pôs a percorrer as nações petrolíferas.
Sem ligar para a cara feia dos Estados Unidos, tornou-se o primeiro chefe de Estado a furar o boicote internacional e pisar em Bagdá.
Agradecido, o ditador Saddam Hussein o levou a passear de carro pela capital iraquiana.
(isso deu na Veja)
Há uns três anos que as peças começaram a se encaixar no tabuleiro desta guerra que se aproxima.
Trapalhadas diplomáticas, erros estratégicos, umas doses de sorte e outras de azar acabaram atropelando o dólar, moeda franca do mundo e sobre a qual repousa a economia, motivando os EUA à uma guerra arriscada.
Vale muito esta guerra.
Vale a sobrevivência daquilo mais caro à sustentação dos Estados Unidos: sua própria moeda.
Mais que mísseis ou gases, é o euro a maior arma do Iraque.
Nesta história, são três os personagens principais:
Hugo Chávez, militar de origem indígena, católico, eleito presidente venezuelano em 1999.
Saddam Hussein, muçulmano sunita, ditador sanguinário do Iraque desde 1979.
George W. Bush, cristão renascido pelos braços do pastor Billy Graham, eleito presidente dos EUA em 2000 porque a Suprema Corte decidiu que, mesmo considerando a necessidade de recontar os votos na Flórida, mais importante era respeitar os prazos eleitorais.
No dia 6 de novembro de 2000, véspera da eleição presidencial nos EUA, o Iraque mudou a moeda com a qual operava suas vendas de petróleo: saiu o dólar, entrou o euro.
O país sofria pesadas sanções impostas pela ONU desde 1991, quando saiu derrotado de uma guerra que Saddam tinha atiçado ao invadir o Kwait.
A economia do Iraque depende, vive, sobrevive da venda de petróleo.
Detém a segunda maior reserva mundial.
De acordo com a sanção, a venda do combustível bruto era permitida desde que o dinheiro fosse investido em causas sociais.
Mais especificamente, em comida.
Naquele novembro há pouco mais de dois anos, o Iraque tinha bloqueados sob o olho vigilante da ONU, numa conta em Nova York, 10 bilhões de dólares, ou 15% de seu PIB - 0,1% do PIB norte-americano.
A conversão das vendas futuras para o euro foi vista como uma pirraça sem sentido.
Se tinha o objetivo de seduzir os países europeus a comprar mais petróleo, conseguiu apenas em parte.
Do ponto de vista financeiro, era uma besteira: a moeda européia valia 82 centavos de dólar.
O preço da conversão foi alto e o Iraque perdeu dinheiro.
Para Saddam, pouco importava.
Em meados de 2001, vendeu os 10 bilhões de dólares de reservas e trocou-os também por euros.
Só que aí veio o 11 de setembro e uma de suas conseqüências foi o crescente fortalecimento da moeda européia.
A operação de troca de moeda terminou sendo imensamente lucrativa.
Dinheiro, muito dinheiro Petróleo: o maior negócio do mundo.
Todo dia são gastos dois bilhões de dólares com o combustível.
Nas previsões mais otimistas, há petróleo para mais um século.
Aí acaba.
Um quarto disto é consumido pelos Estados Unidos.
No país que consome mais energia do mundo, 40% correspondem a petróleo. Invernos frios e verões quentes, o hábito de adotar carros cada vez maiores por parte da classe média, todos são ingredientes numa conta que só faz aumentar o consumo - pequenos confortos que a população não pretende perder.
Lá, são 20 milhões de barris por dia ao preço, em janeiro, de 28 dólares a unidade.
Mas não é o petróleo que banca a festa, é o dólar.
A balança comercial dos EUA é deficitária - só agora em fevereiro, ficou negativa na brincadeira de US$ 31,5 bilhões.
A partir de 1995, o investimento do americano médio em imóveis, na casa própria, foi ultrapassado por aquilo que esse mesmo americano médio jogou na Bolsa de Valores.
Em última instância, é um investimento no dólar.
Só que acaba sendo um investimento seguro, apesar de o país ser deficitário, porque o dólar é a moeda corrente do mundo.
O Fed, Banco Central dos EUA, dita as regras que regem a economia global. Dólar tudo quanto país usa porque assim se dá o comércio internacional.
De todos esses negócios, o petróleo é o maior - e os EUA não controlam quem o vende.
No dia 12 de agosto de 2000, um garboso Saddam Hussein ofereceu ao presidente venezuelano Hugo Chávez um tour guiado pelas ruas de Bagdá. Exatos quatro meses antes de a Suprema Corte decidir pela eleição da dupla Bush e Dick Cheney. Chávez era o primeiro chefe-de-estado a visitar o Iraque desde o início das sanções da ONU e as imagens de Saddam ao volante com o militar venezuelano no banco do carona fizeram a festa das tevês. Para aqueles que assumiam o poder nos EUA, dois ex-executivos de multinacionais petroleiras e notoriamente conservadores, Chávez fazia uma figura preocupante. Simpatizante do castrismo de Cuba e atrevido demais na questão do petróleo. Em abril de 2002, um golpe contra a presidência venezuelana foi rechaçado em dois dias. Na melhor das hipóteses, os golpistas encontraram no governo norte-americano um aliado de primeira hora. A diplomacia dos EUA soube do golpe frustrado antes e nada fez para evitá-lo. Desconfia-se que a CIA esteve envolvida, como nos velhos tempos. Filiada à organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP, a Venezuela responde por uma conta que variou, nos últimos anos, de 13% a 15% do petróleo importado pelos EUA - 1,6 milhões de barris por dia. O resultado da trapalhada diplomática que sucedeu à volta de Chávez ao poder foi uma crise sem precedentes que culminou na greve geral. Quando a companhia estatal de petróleo PDVSA parou, os EUA viram-se sem ter de quem comprar. Ou tinham: opção nada agradável, o Iraque. Bush havia cortado as importações do combustível iraquiano desde sua posse, pouco após Saddam ter feito a conversão de moeda. Mas, antes, havia opção. Num mercado de petróleo em alta e dólar em queda, os EUA voltaram-se nos últimos meses para o Iraque. Em dezembro, compraram 925.000 barris por dia; agora em janeiro, 1,15 bilhões. Pagaram em euros. Moeda franca Seria tudo um inconveniente financeiro para o país de George W. Bush e um profundo suor frio para o resto do mundo que, como o Brasil, depende da saúde do dólar, não estivesse o Iraque apontando uma tendência. No ano passado, o Irã queimou boa parte dos dólares que compunham as reservas de seu Banco Central. Em parte, foi uma resposta política à inclusão do país no Eixo do Mal de Bush. Foi também uma operação coerente do ponto de vista econômico. Trata-se do maior produtor de gás natural do mundo, além de exportador de petróleo. Lá, está sendo discutida seriamente a possibilidade de converter suas vendas, ao menos para a Europa, também para euros. Durante 2002, executivos da OPEP começaram a discutir seriamente a transferência de seus negócios para a moeda européia. Chávez fala disso a toda hora. Quando novos países aderirem à Zona do Euro, nos próximos cinco anos, o PIB da região somará quase dez trilhões de dólares, equivalente ao dos EUA. Quando a Inglaterra abandonar sua libra, algo que os analistas consideram questão de tempo, o Banco Central Europeu vai se sobrepor ao FED norte-americano em volume de riqueza numa única moeda. E, em todas estas transações, é o petróleo que se encontra no centro da mesa. Se os petrodólares forem substituídos por petroeuros, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial a moeda franca internacional mudará. Será o caos, mas o planeta se acomoda. Quem perde, no fim, são os EUA. Quando Gerard Schroeder, da Alemanha, e Jaques Chirac, da França, opõem-se à guerra contra o Iraque, sua menor preocupação são seus eleitorados internos. Da mesma forma, Bush e Tony Blair, do Reino Unido, têm outras preocupações. É o controle econômico mundial que está em jogo. Plantar um governo leal aos EUA no Iraque e ampliar o controle sobre o Oriente Médio enfraquece, em última análise, a OPEP. Em defesa do dólar. É um jogo perigoso o que se inicia, um que periga ter conseqüências mundiais muito mais sérias do que as largadas pela justa guerra contra o Talibã afegão. King Jong II, ditador norte-coreano, já fez sua parte. As reservas de seu Banco Central estão em euros".
"As verdadeiras razões de Bush Said Barbosa Dib Professor de História Não são justas as análises simplificadoras e ingênuas da mídia que colocam o presidente George W. Bush como um monstro ou um energúmeno sanguinário. Mesmo que seu intelecto não seja dos mais geniais, ele não é, definitivamente, um camarada mau nem bobo. Pelo contrário, é um cidadão patriota que está tentando salvar os EUA da bancarrota, impedir a queda do Império sob seu comando. Digo isso porque, ao contrário do que se fala, o governo norte-americano está totalmente desesperado com a ruína iminente da sua economia. Segundo W. Clark, do jornal "Indy Time", o temor do Federal Reserve (Banco Central Norte Americano) é de que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), nas suas transações internacionais, abandone o padrão dólar e adote definitivamente o euro. O Iraque fez esta mudança em novembro de 2000 - quando o euro valia cerca de US$0.80 ? e escapou ileso da depreciação do dólar frente à moeda européia (o dólar caiu 15% em relação ao euro em 2002). Esta informação, se analisada por aqueles que conhecem os problemas estruturais do sistema de Breton Woods e as atuais limitações energéticas dos norte-americanos, coloca em dúvida a hegemonia do dólar no mundo e explica a razão pela qual a administração Bush quer, desesperadamente, um regime servil na histórica Mesopotâmia. Se o presidente norte-americano tiver sucesso, o Iraque voltará ao padrão dólar, não correndo o risco de servir de modelo alternativo para outros países dependentes, como o Brasil. É por esta razão que o governo norte-americano, ao mesmo tempo, espera também vetar qualquer movimento mais vasto da Opep em direção ao euro. Por isso, essa informação é tratada quase como um segredo de Estado, pois governos dependentes como o nosso, que apostaram tudo no modelo neoliberal, iriam para o fundo do poço junto com seus chefes norte-americanos. Isso porque os países consumidores de petróleo teriam de despejar dólares das reservas dos seus bancos centrais - atualmente submetidos ao FMI - e substituí-los por euros.
O dólar entraria em crash com uma desvalorização da ordem dos 20% a 40% e as conseqüências, em termos de colapso de divisas e inflação maciça, podem ser imaginadas.
Pense-se em algo como a crise Argentina em escala planetária, por exemplo.
Na verdade, o que permeia toda essa discussão é a chamada "crise dos combustíveis fósseis".
O físico e pensador Batista Vidal lembra que "as reservas de petróleo estão extremamente concentradas em poucos pontos do planeta, pois o total descoberto no mundo está situado em vinte campos supergigantes".
Assim, na ótica do Primeiro Mundo, se os atuais países em desenvolvimento realmente se desenvolvessem, o Mundo teria ou que descobrir meia dúzia de campos supergigantes ou o petróleo acabaria em 10, 15 anos.
Por isso, o sistema de poder financeiro mundial, subjugado pelo padrão dólar, está completamente desacreditado, falido.
Os bancos estão caindo aos pedaços em todos os países ditos desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e Japão.
Prevê-se um colapso a qualquer momento.
Agora, o que sustenta isso?
Devido à ocupação militar do Oriente Médio - ampliada a partir da crise do petróleo da década de 70 -, mesmo com o déficit público monstruoso dos EUA, o dólar inflacionado compra artificialmente o petróleo, base de toda a economia americana e ocidental.
Portanto, Saddam selou o seu destino quando, em fins de 2000, decidiu mudar para o euro.
A partir daquele momento, uma outra Guerra do Golfo tornava-se um imperativo para Bush Jr.
Ou seja, o que está em jogo não é nem o caráter texano caricato de Bush, nem uma questão de segurança nacional norte-americana, mas a continuidade da falácia do dólar.
E esta informação é censurada pela imprensa norte-americana e suas vassalas tupiniquins, bem como pela administração Bush, pois pode potencialmente reduzir a confiança dos investidores e dos consumidores, criar pressão política para a formação de uma nova política energética que gradualmente nos afaste do petróleo do Oriente Médio e da órbita anglo-americana e fazer com que projetos como o nosso Pró-Álcool mostrem sua força".