quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

VERDADES EVIDENTES DA GUERRA CONTRA O IRAQUE



Despedido por dizer verdades evidentes
Esta guerra não funciona
por Peter Arnett
[*]


Ainda estou em estado de choque e pavor por ter sido despedido.

Há uma enorme sensibilidade dentro do governo americano em relação a reportagens vindas de Bagdad.

Eles não querem organizações críveis a informar a partir daqui porque isso lhes causa enormes problemas.

Relatei o bombardeamento original para a NBC e estávamos a meia milha daquelas explosões maciças.

Agora estou realmente chocado por não estar mais a relatar tais acontecimentos para os EUA e apavorado com o que realmente aconteceu.

Naquela noite minha carreira plena de êxito como repórter da NBC foi transformada em cinzas.


E por que?

Porque eu declarei o óbvio para a televisão iraquiana: que o calendário de guerra dos EUA caíra de lado.


Fiz tais comentários para estações de televisão de todo o mundo e agora estou a fazê-los outra vez para o Daily Mirror.

Não estou furioso.

Não estou a chorar.

Mas também estou apavorado com este fenómeno dos media.

Os medias da extrema-direita e os políticos estão à procura de qualquer oportunidade para criticar os repórteres que estão aqui, seja qual for a sua nacionalidade.

Dei o mau passo que lhes deu a oportunidade de assim procederem: Dei uma entrevista improvisada à televisão iraquiana por sentir que, depois de ao longo de quatro meses fazer entrevistas a centenas deles seria apenas cortesia profissional fazer-lhes uns poucos comentários.

Isto foi o meu Waterloo – bang!

Ainda não decidi o que fazer, se arrumar as minhas malas e deixar Bagdad ou permanecer aqui. Decidirei o que fazer hoje, enquanto digiro aquilo que aconteceu comigo.

Mas seja o que for que aconteça, nunca cessarei de relatar a verdade desta guerra – quer esteja em Bagdad ou em algum lugar do Médio Oriente ou mesmo de volta a Washington.

Eu estava aqui em 1991 e o bombardeamento é muito semelhante ao daquele conflito, mas a realidade é muito diferente.

Os americanos e os britânicos querem vir para cá, tomar a cidade, derrubar o governo e conduzir-nos a uma nova era.

As tropas estão no país e aí combatem para abrir o caminho para Bagdad.

Isto cria uma atmosfera muito diferente.

O partido Baath, actualmente dirigido por Saddam Hussein, tem estado no poder há 34 anos.

Tariq Aziz contou-me que os EUA terão de fazer lavagem cerebral a 25 milhões de iraquianos porque estas pessoas pensam exactamente como Saddam.

Talvez ele esteja errado, talvez não.

Durante meses os iraquianos disseram oficial e privadamente:

"Combateremos os americanos, utilizaremos tácticas de guerrilha, vamos surpreende-los".

Mas a oposição iraquiana disse: "Isto será uma brincadeira, todos querem rebelar-se contra Saddam".

Agora a realidade está a ser jogada no campo de batalha.

Temos de observar a realidade agora e alguns iraquianos estão combatendo e o governo parece muito determinado.

Para mim, ver isso e ser criticado por dizer o óbvio é injusto.

Mas isto tornou-me alvo para os meus críticos nos EUA, que me acusam de dar ajuda e conforto ao inimigo.

Eu não quero dar ajuda e conforto ao inimigo – quero apenas contar a verdade.

Vim à Bagdad com a minha equipe porque o lado iraquiano também precisa ser ouvido.


É evidente que o calendário original pelo qual os EUA estariam em Bagdad no fim de Março já caiu à beira da estrada.

Existe claramente um debate sobre isto nos EUA, reforços estão a ser enviados para dentro do país e há atrasos.

Isto não significa que as coisas estejam a ir muito mal.

Toda a baixa é uma perda, mas elas têm sido limitadas em número até agora.

Todas a noites e todos os dias ouço os B-52s e o mísseis a martelarem as defesas de Bagdad.

Tal como no Afeganistão e no Vietname, os EUA estão a trazer um enorme poder de fogo para fazer aquilo que acreditam que derrubará os iraquianos.

Vi isto antes e foi muito efectivo.

O optimismo americano é justificado.

Mas, por outro lado, a que custo para os civis?

Durante a ofensiva do Tet, no Vietname, entrei numa cidade tomada pelos EUA que fora totalmente destruída.

O Viet Cong havia-a recuperado e estava a ameaçar o edifício do comando e assim foi pedido um ataque de artilharia que matou muitos dos seus próprios homens.

O major que estava connosco perguntou: "Como isto pode acontecer?"

Um soldado respondeu: "Sir, temos de destruir a cidade para salvá-la".

As administrações de Bush e de Blair não querem este rótulo afixado nesta guerra, é uma guerra de libertação para eles.

Mas o problema é que os US Marines nos postos de controle (checkpoints) suspeitam de todos os homens, mulheres e crianças devido às bombas suicidas.

Já há um avolumar de suspeitas.

E no sul não tem havido rebeliões populares e levantamentos.

Na medida em que a batalha por Bagdad avança, o potencial para baixas civis avança também. Este é o espectro que assoma se esta guerra continuar.

Os americanos e britânicos têm de perceber isso.

Não penso que possa dizer como acabar, há muitos cenários.

Um sítio a Bagda... um ataque das operações especiais contra Saddam.

Os optimistas no Pentágono falam de um golpe interno.

Quem teria acreditado que Umm Qasr aguentaria seis dias ou que Marines americanos a dirigirem o tráfego seriam mortos por um bombista suicida?

Isto se parece mais com o West Bank e com Gaza e poderia tornar-se em algo como isso em algumas áreas.

Os EUA devem evita tal cenário.

A forças chegam, as comunidades resistem e então surgem bombistas suicidas e resistência de guerrilhas.

Excepto que o iraquianos estarão a oferecer um combate mais duro do que o palestinos porque estão melhor armados.

Sabemos que o mundo, incluindo muitos americanos, é ambivalente acerca desta guerra e penso que é essencial estar aqui.

Não estou aqui para ser uma super-estrela.

Aqui tenho estado desde 1991 e nunca poderia ficar mais conhecido do que agora.

Alguns repórteres fazem julgamentos mas isso não é do meu estilo.

Eu apresento ambos os lados e relato o que vejo com os meus próprios olhos.

Não critico a NBC pela sua decisão porque eles estão sob grande pressão comercial do exterior. E certamente não acredito que a Casa Branca tenha sido responsável pelo meu despedimento. Mas quero contar a história o melhor que puder, o que torna decepcionante ser despedido.
01/Abr/03
[*] Ex-correspondente da cadeia de televisão americana NBC, despedido da mesma apenas por ter dado uma entrevista à TV iraquiana. Após o seu despedimento foi contratado pelo jornal britânico Daily Mirror . É fácil verificar que mesmo o seu simples objectivismo jornalístico causa desconforto aos poderes estabelecidos nos EUA. Eles não querem jornalistas – querem propagandistas da guerra.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
02/Abr/03

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